sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Trilogia Carioca de Antunes Filho

Por Rogério Guarapiran

O Rio de Janeiro desde 1808, capital do Império, com a chegada da família real protagoniza transformações de costumes na sociedade brasileira de forma relevante. Com a proclamação da República teve seu período de capital federal 1889-1959. O poder político e moral da nação se concentrou naquele espaço urbano nascente e de terreno irregular, centro que marcou profundamente as futuras experiências do nosso regime político ainda vigente. A trilogia carioca de Antunes Filho faz o recorte de momentos decisivos e plurais dessa cidade. As obras encenadas percorrem um sentido inverso na linha do tempo, tratam do cotidiano: a tragédia carioca e suburbana da Falecida (1953), de Nelson Rodrigues. A música popular com o drama-musical sobre Lamartine Babo (1904-1963), texto inédito de Antunes Filho. E o cenário político fica a cargo de Policarpo Quaresma (1911), de Lima Barreto adaptado pelo diretor.
Em Nelson Rodrigues os costumes impudicos e privados veem à tona, através de um casal suburbano. A montagem ágil e dinâmica faz perturbar a percepção, incomoda o olhar ao mesmo tempo que o bom humor prevalece nas concepções e interpretações. Antunes descobriu novamente como não montar Nelson “como se deveria”, mas só como um artista propositor e desafiante.
Lamartine Babo é um divertido musical que trata sobre um dos mais importantes compositores carioca que atuou na chamada Época de Ouro da MPB (anos 30). Na forma de um ensaio musical, faz-se um passeio pela sua obra. Um estranho observador pontua a biografia de Lamartine sem desvendar o mistério de seu domínio sobre o assunto.
Com Lima Barreto, Antunes fecha a trilogia e também abre pela sua importância histórica. O desafio seguido pela adaptação e encenação resulta num grandioso e criterioso trabalho compactuado com toda equipe. Mas nesse sentido do grande épico, cabe genialmente o simples, opções poéticas e maturidade para teatralizar o exame crítico do romancista.
É oferecido ao público, entre uma obra e outra, muitas correlações para se extrair, como a reflexão de que no Rio Antigo foi o nascedouro de várias tendências para nosso modo de vida político, cultural, artístico, com todo a beleza, repúdio, alegria, ódio, riqueza, indiferença, multiplicidade, injustiça. Um sistema complexo de que dá mostras as encenações. Chega a nós de hoje perguntas atualizadas sobre o passado recente do país.

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