sexta-feira, 26 de março de 2010

Lima Barreto: Cenografias

Por Antunes Filho


Por que o CPT, que faz alguns dos seus espetáculos, inclusive agora Policarpo Quaresma, sem cenários, propõe no momento uma exposição com o título “LIMA BARRETO: CENOGRAFIAS”, não se trataria de um contra-senso? Obviamente, sabe-se que o fundo preto (neutro) sem cenário, com a mínima variação nas luzes, valoriza o ator (principal característica do CPT) nas suas atitudes, gestualidades e movimentos, trazendo para si a atenção plena do espectador.
Esta minha tendência vem lá de trás, de criança, do tempo que, felizmente, ainda não existia a televisão. Duas atrações seduziam-me além dos jogos e das brincadeiras: o cinema, nas matinês de quinta feira, as sessões zig-zag aos domingos de manhã e alguns programas de rádio dos quais eu era ouvinte assíduo. Foi a radiofonia, tenho certeza que me atiçou o imaginário. Otavio Gabus Mendes inovador da rádio no Brasil e também cineasta muito me influenciou e me educou na época com seus programas na Record.
Acompanhava tanto suas excelentes críticas cinematográficas que transmitia diariamente na hora do almoço quando chegava da escola, como as radiofonizações dominicais de grandes filmes (ele era fissurado em Orson Welles, Jonh Ford, William Hellman, Frank Capra etc...etc...). A minha cabeça ia para o espaço com as falas e as personagens que os atores interpretavam; lá ia eu esboçando nebulosamente ambientes, cenários dos mais incríveis. Deitava nas sensações dos meus devaneios, dos meus sonhos.
Depois, o teatro moderno, e em especial Kazuo Ohno e algum Bob Wilson, fizeram-me aterrisar através de suas encenações mais fundo no meu inconsciente.
Kazuo Ohno, por exemplo, no primeiro plano, diluía-se na sua dança, criando-me visões fantásticas, projetadas através dele no fundo neutro. Ele desaparecia e eu permanecia na poltrona abismado, estarrecido e maravilhado. Transcendia. Tomava consciência que não era somente a fala, mas também o jogo de corpo, ambos, responsáveis pelos movimentos básicos do sobrevôo. Cenários, painéis, penduricalhos de qualquer ordem interfeririam na ânimo folha branca do expectador.
A exposição “Lima Barreto: Cenografias” é uma tentativa de mostrar o registro destas incursões que fazemos através da nossa neblina interior. Provocar a subjetividade: cada leitor ou expectador cenografar a obra para si mesmo.
Novos artistas cenógrafos foram chamados para cada um a sua maneira, colocar o seu depoimento imagistíco de uma obra que escolhesse do autor. É um duplo empreendimento do curso do CPT que julgo de maior relevância: a amostragem de novos cenógrafos para o mercado com seus sonhos poéticos como também a mais justa homenagem a este grande escritor social Lima Barreto (que quase sempre é injustamente colocado à margem) Então, duas exposições em uma só?
Quero acrescentar que os estimulei a tentarem nas suas idealizações aproximarem a cenografia o mais que possível das outras irmãs das artes plásticas: a pintura e a escultura. Descompartimentar o trabalho possível de vícios da própria linguagem cenográfica. Novos ares. Venha ver uma e veja duas exposições.
[Este texto foi escrito para o catálogo da exposição "Lima Barreto: Cenografias"]

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