O Prêt-à-Porter exercita o poético no prosaico.
Antunes Filho
Não se ouve o terceiro sinal, a platéia se acomoda (intimista, talvez 70 pessoas no máximo), nenhum efeito, nenhuma luz, apenas o ambiente da sala de ensaio, poucos elementos de cena – os quais com um pouco de esforço pode se chamar de elementos cenográficos – e um figurino simples, quase sempre reciclado, sempre convergindo (como o chapéu velho de Brecht) para a expressão do micro-universo que se pretende mostrar. E os dois atores. Simples assim. Começa então a se esquadrinhar uma cena dramática. Estabelece-se um jogo cujo acordo prévio está claro: a relação entre atores e platéia. E não porque se pretende sair de uma esfera teatral da representação em que as características marcantes são opostas daquelas que se nota no Prêt-à-Porter: demonstrações virtuosísticas de voz e corpo dos atores, grandes cenários, efeitos de luz, música incidental, etc.
Mas, se se fala ainda em representação, de que espécie trata a do Prêt-à-Porter? Qual é a sua natureza? O Prêt-à-Porter talvez seja uma possibilidade de caminho, como diz Antunes, “a objetividade na subjetividade”, “um ‘meio’ para o ‘indefinível’ e o ‘invisível’ de cada um”, uma fresta para o desconhecido de cada um em que os atores e a platéia são colocados ali em situação, em questão.
Cenas corriqueiras e prosaicas que podem já ter acontecido ou que podem acontecer agora. Deslocadas ou integradas no tempo e no espaço, apartadas ou confluentes a uma realidade, cenas que poderiam, eventualmente, serem notadas ou que quase sempre passam despercebidas como uma folha que cai e ninguém vê. Imagens que tentam ser o dentro e o fora de uma poética que, em termos teatrais, como quer Antunes, “se difere porque sua linha dramática não é centrífuga, é centrípeta”, o que significa que “não tem uma solução fora do seu bojo, como numa peça de um ato em que o externo é fundamental na resolução física”.
Assim, é que o Prêt-à-Porter se revela muito mais como uma tentativa de olhar o mundo “como se fosse a primeira vez” ou, pelo menos, de uma maneira diferente da qual fomos ensinados, habituados, educados a olhá-lo e a interpretá-lo. Como bem diz Antunes: “O Prêt-à-Porter talvez tenha um princípio, talvez tenha um meio, mas não tem um fim. É uma dança. Dá uma sensação semelhante àquela de antigas fotografias amareladas. Quase um espectro. Um rizoma. Uma passagem. Uma nebulosa inútil, mas significativa, não se sabe por quanto tempo. É você despertar e não saber o que sonhou”.
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