segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Sevcenko sobre Policarpo de Antunes
Nicolau Sevcenko
ABSURDISMO
A montagem de Antunes desse autêntico documento fundador da República é estarrecedora. Ele concentra no palco como que um sumário das artes cênicas do século 20. Desde as origens do teatro e do cinema modernos, do “Ubu Rei”, de Alfred Jarry, ao Carlitos de Charles Chaplin, passando por Pirandello, Samuel Beckett, Peter Brook e Leni Riefenstahl (em revisão paródica), desfila situações absurdistas em que a promessa da modernidade se configura como a mais atualizada versão do velho inferno. O desejo obstinado de acreditar num ideal retórico e farsesco, por mais que a realidade lhe imponha decepções e desencantos, por mais que seus líderes se revelem deslavados crápulas, o arrasta para um fim tão trágico como inevitável.
O que mais encanta e hipnotiza é que Antunes é um mestre do coro. Há diretores que se exprimem sobretudo através da força dos personagens. Outros introduzem sua visão mais pessoal pelo encaminhamento da trama dramática. Antunes se comunica predominantemente pela energia flamejante do coro, suas montagens são literalmente coreográficas. Essa é a fonte mais original do teatro. Na encenação grega, os protagonistas são cruciais para desencadear o enredo dramático, mas é o coro que realiza o mistério da transubstanciação dionisíaca. É assimilada no coletivo que se dá a ressurreição de Dioniso em cena, não na circunstância particular vivida pelos atores.
Na montagem do “Policarpo Quaresma”, Antunes realizou esse ritual com uma eficácia sublime. O coro, ora travestido em camisolões de loucos do hospício, ora fardado como recrutas do Exército, ora como fiéis devotos do grande líder carismático, ora como militantes agitando bandeiras cegamente, como no “Triunfo da Vontade”, de tão trágica memória, fornecem o retrato mais cru e realista que se possa imaginar da República brasileira, desde a fundação até esse ano da graça de 2010.
A certa altura as formigas surgem como o bode expiatório, o inimigo público que deve ser destruído sob as botas para desentravar a prosperidade geral. O coro é tomado de um transe unânime e agressivo, pisando e gritando compulsivamente, como num culto de exorcismo. Policarpo conclui a cena com um sapateado mortífero, acompanhando os acordes do Hino à República. Nunca Lima Barreto foi tão atual. Nunca esteve tão vivo. Nunca foi tão urgente.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
LAMARTINE BABO em outros palcos
- Espaço dos Coletores de Cultura - Paidéia - 30 e 31 de Agosto, às 2oh / R. Darwin, 153
- CEU Casablanca - 02 de Setembro, às 20h/ R. João Damasceno, 85 – Jd. Casa Blanca / Jd. São Luiz
- São José dos Campos (Festivale) - 09 de Setembro, às 21h, no Teatro Municipal / R. Rubião Júnior, 84
- São Carlos - 21 de Setembro, às 21h, no SESC / Av. Comendador Alfredo Maffei, 700
sexta-feira, 16 de julho de 2010
A Semana de Lamartine Babo
Lamartine Babo em São José do Rio Preto (FIT-Festival Internacional de Teatro)
Dias 20 (ter) e 21 (qua) às 19h e 21h30
SESC Teatro
Lamartine Babo em São Paulo
Dia 22 (qui), e todas as quintas-feiras, às 21h
Espaço CPT/SESC Anchieta (Consolação)
terça-feira, 13 de julho de 2010
CPT indica: ALECHINSKY
Serviço
Instituto Tomie Ohtake
Endereço: R. dos Coropés, 88
Tel: (11) 2245-1900
Quando: Terça à Domingo, das 11h às 20h. Acontece também nos feriados. De 16/07 à 07/09. Grátis.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
CPT no Cena de Teatro 2010
Amanhã, 9 de julho, será exibido o documentário "O teatro segundo Antunes Filho", às 20h, no Teatro Timochenco Wehbi. No mesmo dia, o ator Emerson Danesi ministra a oficina "O Corpo do Ator" das 14 às 17h. No sábado (10), o Prêt-à-Porter Coletânea 2 se apresenta às 20h no Teatro Timochenco Wehbi.
Confira a programação completa do Festival: www.fascs.com.br/maratona/imp_programacao.asp
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Campanha pelo Cinema Belas Artes
http://patrocineocinemabelasartes.blogspot.com
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Policarpo Quaresma, do CPT
Com gestos que parecem mágicos, cores sutis, objetos mínimos, os atores do CPT fizeram da ida ao teatro uma arrebatadora forma de felicidade.
Policarpo Quaresma, um encontro de gênios
Uma, de muitas, cenas antológicas de "Policarpo Quaresma"
A boa notícia vinda do CPT, que ocupa o Teatro Sesc-Anchieta com Policarpo Quaresma, com texto de Antunes Filho baseado no romance Triste Fim de Policarpo Quaresma do, também genial (mas, injustiçado), escritor Lima Barreto, vai ganhar mais algumas semanas naquela sala, graças ao sucesso de público, até o fim de julho.
Policarpo Quaresma é mais uma prova irrefutável da ebulição criativa que agita nosso mais completo, lúcido e coerente encenador Antunes Filho, senhor absoluto da caixa preta que ele sempre povoou de movimentos, luzes, cores e sons, em montagens antológicas, em seus mais de 50 anos de uma carreira sem hiatos.
"Policarpo Quaresma" é a nova pérola da coleção de obras-primas de Antunes Filho.
Porque, ao contrário do que alguns críticos (as) gostam de afirmar levianamente, ignorantes do currículo ao vivo de Antunes, certamente na puberdade quando, por exemplo, São Paulo, depois o Brasil e, por fim, o mundo, assistiu Macunaima, na década de 70 do século passado, o mestre jamais deixou de surpreender, pelo simples fato de jamais deixar-se acomodar em fórmulas por ele mesmo criadas (e recriadas) incansavelmente.
LIMA BARRETO, DE TALENTO RECONHECIDO POSTUMAMENTE
Ao sabermos da árdua batalha do pobre e negro Lima Barreto, com talento talhado por Deus para a Literatura, não fica difícil imaginar a angústia que lhe ia pelo peito por toda a sua curta e atribulada vida, marcada por tragédias familiares e pelo vicio da bebida.
Aquele preconceituoso e medíocre Rio de Janeiro da sua época, não o impediu, porém, de exercer com coragem seu caráter reivindicatório, defendendo em suas obras a solidez moral dos desvalidos em inglória batalha contra o cinismo dos poderosos de plantão, lá como agora.
Com traços autobiográficos do escritor, a jornada patriótica de Policarpo Quaresma teve em Antunes Filho, nesta pungente visão teatral (Policarpo Quaresma), um arguto adaptador da prosa descritiva e essencialmente literária do formidável Lima Barreto.
Todo aquele povo, em todas as esferas sociais, políticas e militares, minuciosamente analisado e recriado pelo romancista com sua singular visão humanista, teve, por sua vez, no teatro, em Rosangela Ribeiro, uma figurinista estonteante e delirante, às vezes, em outras ladeando ou se sobrepondo mesmo ao trotear expressionista de Antunes, esculpindo personalidades num piscar de olhos, como nos quadros dos grandes pintores.
Exercendo o vertiginoso jogo lúdico de trocas de figurinos e de “personas”, o numeroso elenco tem grandes momentos de “flashes cenográficos” e nas irrepreensíveis marcações coletivas, onde o toque de gênio de Antunes se aprofunda a cada peça.
O rendimento do elenco alça todos ao nível da excepcionalidade. O que não nos impede de ressaltar a concepção de Lee Thalor para o protagonista Quaresma, dando-lhe tocante verossimilhança em sua crença tão ingênua quanto intensa – jamais caricatural – de pungente determinismo patriótico.
A grata surpresa corre por conta das luminosas aparições de Geraldo Mário, um dos mais constantes colaboradores de Antunes Filho, como a velha escrava desmemoriada e, depois, como o vivido preto velho Anastácio, paciente auxiliar de Quaresma na fase agrícola.
Antunes Filho está muito bem acompanhado por todo aquele batalhão de escultores da perfeição refletida na montagem: o CPT do Antunes Filho mais uma vez disse a que veio!
Policarpo Quaresma /Teatro Sesc-Anchieta/ Rua Dr. Vila Nova, 245 /telefone 3234-3000/ 6ª. e sábado 2l h –domingo l9h/ R$ 20,00 (inteira) / 12 anos /100 minutos/ até fim de julho.
terça-feira, 25 de maio de 2010
Prêt-à-Porter Coletânea 2 no Tempo Festival das Artes
A vida inteira que poderia ter sido - e é
Derradeira parte da trilogia em homenagem ao Rio de Janeiro construída pelo diretor Antunes Filho à frente do CPT – precedida por A Falecida Vapt-Vupt, a partir de Nelson Rodrigues, e o musical Lamartine Babo –, a peça Policarpo Quaresma, em cartaz no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação, ancora-se sobre um aparente paradoxo essencial.
A escolha pela obra-prima de Barreto, uma ideia que Antunes já carregava há algum tempo, denota um profundo e sólido descontentamento com o estado de coisas. Não há nenhum rastilho de inocência em dar voz ao major Policarpo – um personagem que, para o diretor, está no mais alto panteão da literatura brasileira, ladeado por gente como Quaderna e Riobaldo.
“Ao ficcionalizar as origens da República brasileira, o romance de Lima Barreto estabeleceria alguns padrões definitivos para o debate social por meio da arte”, escreveu o crítico Ivan Teixeira. Editado pela primeira vez em 1915, o livro surgiu como uma voz firme denunciando o pacto sociopolítico que tecia o grito republicano. Se, para todos os efeitos, as práticas políticas assumiam novas configurações, os círculos de poder prosseguiam absolutamente comprometidos com os interesses das mesmas velhas oligarquias.
link:http://blogs.estadao.com.br/teatro/2010/05/24/a-vida-inteira…a-ter-sido-e-e/
sexta-feira, 21 de maio de 2010
'Lamartine Babo' é prorrogado
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Policarpo Quaresma e Lamartine Babo por Lenise Pinheiro
www.cacilda.folha.blog.uol.com.br - veja as fotos dos espetáculos nas postagens dos dias 6/05 e 29/04
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Aos 80 anos, Antunes Filho defende papel de sua arte de formar consciências
Na manhã do dia seguinte, no sétimo andar do prédio do Sesc Consolação, onde funcionam o teatro, o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc e o Grupo Macunaíma, todos sob o comando de Antunes, quem recebe a reportagem do GLOBO de jeans e camiseta de campanha ecológica é um senhor grisalho, alegre e sorridente, disposto a explicar sua trilogia de paixão pelo Rio e pelo teatro de maneira filosófica e incondicional. Mas se engana quem pensa que um dos mais ativos diretores brasileiros de sua geração é um suave e cínico encenador profissional. Bobagem. Aos 80 anos, Antunes Filho executa seu sapateado de palavras com as mesmas revolta, perplexidade e frustração que seu major Quaresma. Como da primeira vez em que trabalhou com grupos de teatro amadores, ainda na década de 1950.
- Eu odeio a ideia de envelhecer - diz ele, batendo na mesa. - Porque a missão do teatro não é só formar o público. É formar consciência também. Consciência de que este país anda em direções contrárias nas suas ambições culturais: financiando iniciativas culturais ao mesmo tempo em que despreza a educação de sua população. O ator e o diretor estão no palco para doar, e esse é o manto sagrado da criatividade. É preciso mostrar para essa gente quem é Lima Barreto porque a dramaturgia da TV é imediatista, busca audiência e presta um desserviço à cultura - dispara, como num sapateado louco.
Antunes Filho, no entanto, é generoso com o Rio, cuja memória ajudou a gestar sua trilogia. Diz que o público paulista precisa conhecer Nelson Rodrigues, Lima Barreto e Lamartine Babo, e que guarda boas lembranças de uma cidade onde desfilava com amigos como Clarice Lispector ("minha comadre"), Paulo Pontes, Antonio Callado e Vianinha. Lembra que o Rio era uma cidade onde ele dormia cedo. Quer dizer, de manhã cedo, depois de amanhecer após noitadas nos botecos da cidade.
- O Rio para mim é um local muito especial. Hoje em dia, não saio de São Paulo. Não é que eu não vá ao Rio para ir para Paris. Não vou nem a Paris. Mas o Rio era a capital federal, o centro do Brasil, para mim, o centro da América do Sul, e eu queria fazer uma homenagem que aconteceu quase por acaso com o Nelson Rodrigues. Depois veio o Lamartine, e depois outro LB (Lima Barreto), então pensei: é uma trilogia carioca. Inconscientemente, fui levado ao Rio - diz ele.
- Sabe por que ela pega no meu pé? Há muito tempo ela me convidou para ser jurado de um prêmio. Votei a favor de uma peça que depois soube que era do Dias Gomes. Ela queria outra peça, e todo mundo concordava com ela, menos eu. Na mesma época, ela fez um livro sobre os diretores do Brasil e não me colocou. Fui lá na redação cobrar. Eu era moleque e queria um lugar ao sol - conta.
Mas Antunes se define como um homem "aberto e alavancado" pelas críticas. Lembra com saudade dos críticos Yan Michalski e Sabato Magaldi, que, em um primeiro momento, negaram os processos radicais de laboratórios aplicados ao elenco de "Vereda da salvação" (1964). Na manhã da entrevista, o encenador deglutia as duras críticas de Luís Antônio Giron, da revista "Época", que acusou o teatro brasileiro de falta de criatividade "por esgotamento de inspiração ou de recursos".
- Achei a crítica genial. Não sei nem quero discutir se ele tem ou não razão. Ele nos leva todos a repensar. Temos que nos perguntar para que e por que fazer teatro. Ele me provoca, e eu quero estar acordado diariamente - afirma o diretor. Gratidão a Stenio Garcia
Após assumir que misturou "tudo o que sabe de teatro" para criar "Policarpo Quaresma", Antunes diz estar em crise, sem saber ainda que rumo tomar. Mas sua trajetória de mais de meio século de teatro mostra que esta perplexidade vai durar pouco. Afinal, é um homem que não aceita perder a capacidade de estar no palco.
- Temos uma relação viva com a plateia. O ator está no palco para doar, não para arrecadar. A única atitude digna que vejo no homem, épica, é na doação. Se é para arrecadar, você é o homem do não. A minha razão de fazer teatro é doar. Óbvio que receber aplausos e parabéns é bom. Mas essa não é a finalidade. - diz ele.
Quando Antunes discorre sobre pessoas que, de alguma forma, o inspiraram, oferece sua gratidão a Stenio Garcia e Ziembinski. O primeiro incentivou o diretor à experimentação, como assistente de direção de "Vereda da salvação". Já Ziembinski, de quem Antunes foi assistente em 1952 no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), apresentou-lhe o universo de Nelson Rodrigues.
- Stenio Garcia é um dos atores que mais admiro. Ele pode participar de tudo o que quiser da minha vida. Ajoelho e falo: "Obrigado, Stenio, você foi um cara maravilhoso na minha vida". Para Ziembinski, ia buscar café e sanduíche todos os dias, observava-o se maquiando. Nem todos puderam perceber, porque ele falava meio enrolado, meio polaco, mas era um ator extraordinário - diz.
Definindo-se como um homem do século XX, Antunes não se deslumbra com a revolução tecnológica. Nunca teve automóvel, celular ou internet (Twitter, nem pensar) e mantém uma rotina de hábitos simples, que inclui um expediente diário de mais de nove horas de trabalho no CPT, idas ao teatro - "Assisto a tudo, até para poder falar a respeito" - e leituras. Experiência humana vale mais que a teatral
Apesar de ter sido um dos fundadores do teledrama na TV, como produtor e diretor de teleteatro ao vivo nas TVs Tupi e Cultura, Antunes não se conforma com a situação atual da teledramaturgia brasileira:
- As telenovelas são um desserviço não somente à cultura, como também para essa molecada (atores). Leva-os a um naturalismo vazio, a interpretar de maneira vazia e simplesmente natural. Ser natural serve para agradar à vovó, à titia, que olham e dizem: "Que gracinha, que menininha natural!". Atores têm que tomar cuidado para não virar gracinhas. Ninguém é contra os atores fazerem TV, ganharem melhor, mas atuar não é simplesmente ser gracinha - ensina. Quando alguém pergunta como é ser um mito do teatro aos 80 anos, a resposta é enérgica e indignada:
- Odeio ter 80 anos. Odeio a velhice. O que eu gosto não é da experiência teatral, é da experiência humana que tenho por causa do teatro. Não me interessa nem o teatro. Teatro é um meio, não um fim. A vida para mim é tudo, é fundamental. Adoro o movimento da vida. O teatro é só o veículo que eu encontrei, é o meu patinete - diz.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Carta de Monteiro Lobato à Lima Barreto
domingo, 18 de abril de 2010
Policarpo Quaresma levado a sério
Em adaptação do texto de Lima Barreto, o diretor Antunes Filho valoriza as nuances do original
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Policarpo em cinco olhares
O mais recente espetáculo do encenador Antunes Filho, de 80 anos, visto por especialistas
Síntese de uma trajetória retumbante. Exemplo do vigor criativo de um encenador em plenos 80 anos de vida. Lição de bom teatro que se alia a múltiplas linguagens artísticas. Soco na boca do estômago do público interessado em entender o Brasil de ontem para discutir o país de hoje.
Assim surge Policarpo Quaresma, de Antunes Filho. Com sessões que andam lotando o Sesc Consolação e aplausos em cena aberta, o espetáculo enobrece os palcos paulistanos com momentos de genialidade. "O teatro faz justiça a Lima Barreto (autor do livro Triste Fim de Policarpo Quaresma)", escreve Jefferson Del Rios. "Uma encenação que engrandece o desejo", opina Mariangela Alves de Lima. "Há algo de diferente no sólido percurso do diretor", comenta a crítica de dança Helena Katz, encantada com os cortejos. "Antunes está mais viscontiano do que nunca", compara o crítico de cinema Luiz Carlos Merten. E um crítico convidado, o ator e diretor César Augusto, arremata: "Bom para o teatro, bom para o cidadão."
Antunes Filho sabe disso - e o mais extraordinário na criação dos coros, que é sua marca (a maneira de deslocar e imobilizar grupos de atores, a oposição entre o movimento individual e o coletivo etc.), é justamente a nudez que ele impõe ao seu palco. Não existe cenografia em Policarpo Quaresma. Ou melhor, existem adereços, objetos e o próprio corpo dos atores é que constrói a cena aos olhos do espectador. É quando Antunes é mais viscontiano. O mestre, numa fase de sua carreira, antes da descoberta da lente zoom, dirigia sua câmera basicamente para o corpo dos atores e fazia um cinema que chamava de "antropomórfico". Visconti era grande diretor de teatro, cinema e ópera e, embora não se possa dizer que Patrice Chéreau seja seu discípulo, essa qualidade, ou característica, ele herdou no mais fulgurante dos seus filmes, A Rainha Margot.
O livro cultuado de Lima Barreto já havia sido adaptado para o cinema por Paulo Thiago em 1998. Paulo José fazia o herói do Brasil, subtítulo aplicado a Policarpo Quaresma. Thiago é mineiro, como Joaquim Pedro, que também adaptou para a tela outro clássico da literatura, o Macunaíma de Mário de Andrade. Apesar das diferenças entre ambos, Macunaíma e Policarpo são heróis brasileiros devorados pelo Brasil. Antunes já havia feito o seu Macunaíma no palco. Surpreende agora que ele faça Lima Barreto dialogar com Mário de Andrade? Que o seu Policarpo, de alguma forma, seja a revisão de Macunaíma?
A crítica não foi para o papel nem para a internet, mas uma voz solitária reclamou de que a encenação de Policarpo Quaresma, o grande teatro de Antunes Filho, é coisa morta. Só pode ser brincadeira. Antunes, aos 80 anos, realmente debruça-se sobre si mesmo - e seu método -, mas não é para se (auto)plagiar. E a cena da saúva, as batidas ritmadas com o pé e, depois, o Hino Nacional, são coisas de gênio. Havia, desde o início, um grande desafio a encarar e era justamente a natureza da própria obra de Lima Barreto. Policarpo Quaresma é um livro muito descritivo. Carece de diálogos, ou pelo menos os reduz ao mínimo. Antunes e seu elenco tiveram de transformar descrições em diálogos/cantorias, ou então de sugerir cenicamente o não dito. Como se faz isso? Como se constrói uma dramaturgia que não seja só da palavra?
Policarpo Quaresma leva ao limite a arte da mise-en-scène. Com o mínimo, Antunes Filho alcança o máximo de resultado. Seus cortejos deslumbram os sentidos. Emocionam - nem o distanciamento crítico brechtiano significa que o espectador não deva se envolver nem se emocionar com o que se passa no palco. Toda essa pesquisa teatral se consolida nos atores. O elenco de Policarpo também é coral. Há um solo apenas, e é o do ator que faz o protagonista. Lee Thalor, que já havia feito Quaderna na Pedra do Reino de Antunes, não apenas corresponde como se supera. O mestre depurou seu discípulo. O criador e a criatura. Policarpo Quaresma não seria a mesma coisa, no palco, sem a potência criativa de Thalor.
Em A Pedra do Reino, Antunes já optara pelo palco nu, transformando-o numa representação da mente de Quaderna. Talvez seja o mistério, ou segredo, desse Antunes octogenário e talvez testamental que decifra os grandes textos definidores da cultura brasileira. O teatro de Nelson Rodrigues, a literatura de Ariano Suassuna, Mário de Andrade e Lima Barreto. Policarpo dialoga com Macunaíma e Quaderna. Este último sonha com um país em que o povo reina. Como Macunaíma, ele carrega um arquétipo, o do herói sem caráter, Quaderna encarna o herói do "nenhum esforço", que acredita na utopia e que nunca vai parar. Policarpo difere de ambos para terminar igual. Ele é um patriota exacerbado, acredita que a utopia se constrói com esforço. Sonha com o tupi-guarani como língua de todos os brasileiros e tem planos para salvar a agricultura nacional.
Vai parar no hospício, as saúvas destroem sua plantação e ele próprio é devorado por um mundo que o hostiliza porque ele insiste em mudá-lo, quando seria mais fácil permanecer imóvel, gozando de benefícios. É aí que Policarpo Quaresma transcende o evento que é, no palco, para propor uma discussão ou interpretação do que seja o Brasil (e o brasileiro). Antunes não é um celebrador de Dioníso. Faz grande teatro para pensar sua arte, o País (e o mundo). Policarpo é um espetáculo/síntese do autor e da própria cultura brasileira, que ele vem enriquecendo.
Crítica: Helena Katz
Curioso que, como já tinha sido em Macunaíma, em 1978, mas de outra maneira, é o corpo que opera uma mudança também agora. O marco que Macunaíma foi, ao inaugurar o Teatro Coreográfico de Antunes Filho, passa por uma refundação com Policarpo Quaresma, que acaba de estrear em São Paulo, no Sesc Consolação.
Com Macunaíma, a dramaturgia começou a se tornar coreográfica porque elegeu a espacialidade como mestre de cerimônia da encenação. As soluções nasciam dos jeitos de mudar o formato aparentemente dado como pronto da caixa preta. Nela, Antunes foi desenhando as trajetórias de seus coros-procissões-blocos de rua, e regendo suas produções com os ritmos que ia marcando para as entradas, durações e saídas de cada cena. Mas agora, nesta sua 21.ª montagem, há algo de diferente se insinuando no seu sólido percurso de contribuições.
Referências caras. O papel que coube ao espaço passou a ser de responsabilidade do corpo. Em Policarpo Quaresma, é o corpo que constrói a dramaturgia, que é mestiça de teatro de revista, das bufonerias, irmãos Marx, comédia de costumes, Kazuo Ohno, circo e Pina Bausch, dentre outras tantas referências igualmente caras a seu diretor.
Ele está no teatro desde 1948, quando, como ator, fez Adeus Mocidade com o grupo amador de Osmar Rodrigues Cruz. Passados quase 62 anos, nos quais foi refinando uma assinatura de profunda coerência, inicia uma nova década de vida (completou 80 anos em dezembro, nasceu em 12/12/1929), e aponta novamente para adiante, com esse outro corpo que começa a aparecer. Um corpo que não domina somente os deslocamentos e as trajetórias, como antes, mas que explora modos não verbais de falar, inventa jeitos de se fazer presente e, assim, vai fazendo a peça acontecer a partir dele.
Nesse corpo, os figurinos e objetos de Rosângela Ribeiro funcionam como um outro tipo de texto. Ampliam os dizeres dos corpos do elenco afiado e afinado. A cena dos loucos ao som da Barcarolle dos Contos de Hoffmann, de Jacques Offenbach, é um bom exemplo dessas texturas.
Preparação. Antunes dirigiu seu primeiro texto brasileiro em 1959 (Alô... 36-5499, de Abílio Pereira de Almeida), tendo Ademar Guerra como assistente e ainda com o Pequeno Teatro de Comédia que havia fundado no fim dos anos 50. Mas parece ter sido com o Sem Entrada, Sem Mais Nada, de Roberto Freire (1961), que a leitura política do entorno adentrou nos seus interesses, e se estende até este Policarpo Quaresma, no qual atualiza o que Lima Barreto (1881-1922) publicou em 1911, e também o Rio de Janeiro do fim do século 19 (1890) lá descrito. O que o livro conta em três momentos distintos, Antunes transformou em texto corrido - trabalho que ocupou quase dois anos de preparação e ensaios.
As contradições de um país em transição da monarquia para a República, e já corrupto, e já se fazendo à custa de violências, injustiças e arbitrariedades. A peça conta das contradições, ambiguidades e ambivalências que atravessam as duas viradas de século que nos separam desse tempo. Separam ou unem? Você tem somente até o dia 6 de junho para escolher. Esta é a data em que a temporada de Policarpo Quaresma se encerra.
Crítica: Jefferson Del Rios
As grandes cenas de Policarpo Quaresma, adaptado da obra de Lima Barreto, lembram as tomadas gerais e os planos sequência de cinema. Como, por exemplo, a do majestoso baile de O Leopardo, de Luchino Visconti. Pode-se evocar igualmente Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Fellini porque Antunes Filho é um encenador de palco com sensibilidade de cineasta e de artista plástico. A montagem dá continuidade à estética iniciada com Peer Gynt, de Ibsen (1971), consolidada com Macunaíma, de Mário de Andrade (1978), e os ciclos Nelson Rodrigues, tragédias gregas e o universo de Ariano Suassuna (A Pedra do Reino). Sem esquecer os bons efeitos plásticos conseguidos com Shakespeare, Guimarães Rosa, Jorge Andrade. O resultado é emotivo e espetacular mesmo sem transmitir por inteiro o sabor da escrita descritiva e colorida do original (O Triste Fim de Policarpo Quaresma). O escritor, amoroso retratista do Rio de Janeiro do início do século 20 e criador de tipos formidáveis, exigiria, talvez, horas de representação. O espetáculo está mais direcionado para os focos ideológicos do romance; este é o objetivo de Antunes.
São Paulo novamente faz justiça a Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), que prossegue subestimado, embora, paradoxalmente, se lhe confira a estatura de Machado de Assis. Em 1956, a Editora Brasiliense editou as obras completas (volumes bem acabados, com capas do pintor gaúcho Edgar Koetz). Agora, o Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) tira uma vez mais do silêncio o "mestiço neto de Gogol" na descrição do crítico Agrippino Grieco, que o nomeou "o maior e mais brasileiro dos nossos romancistas, o nosso primeiro criador de almas. Ele sentiu a tristeza e o humor que cabem na vida do pobre. Todo o Rio está na sua obra. Outros romancistas podem inspirar-nos maior admiração; nenhum outro pode inspirar-nos tamanho amor".
O combativo Grieco sentiu em Lima Barreto o "sarcasta comovido e áspero" (também uma possível definição para José Alves Antunes Filho). Tais características estão evidentes no enredo caricato e acusador em que o Major Policarpo Quaresma é o nacionalista excêntrico e deslocado no tempo. Defende o tupi e a modinha como língua e música legítimas e oficiais, e tem uma ideia irreal da agricultura. Preconiza, de certa forma, o estranho nacionalismo de uma ala do movimento modernista da qual fez parte Plínio Salgado, o idealizador do integralismo. Mas tais fantasias nativistas esbarram na truculência do início militar da República, sobretudo no governo do Marechal Floriano Peixoto.
Ressonâncias. Por motivos afetivos e familiares, Lima Barreto não se entusiasmou com a queda da monarquia. Escapou, porém, da nostalgia conservadora ao se preocupar com o viés autoritário do pensamento positivista vigente nos quartéis. Com a brutalidade da repressão armada aos movimentos oposicionistas ou o ímpeto patrimonialista das elites e a corrupção na máquina administrativa. Sua ficção teve ressonância na busca de Antunes por retratos/sínteses do Brasil, e o resultado está no atual Policarpo em forma de libelo ilustrado por imagens fortes. A linguagem do espetáculo é uma brilhante fusão de comédias antigas de cinema, musical, melodrama radiofônico e circo. Paira sobre a ação um clima de tango e charge humorística. O sarcasmo chega ao auge no número de sapateado do Hino Nacional, momento de inevitável impacto simbólico. Os personagens têm intervenções rápidas, exceto o Major bem interpretado por Lee Thalor, o que não impede aos demais participantes precisos lances criativos, caso de Geraldo Mario que se faz notar em uma encenação que tem sua força baseada no coletivo.
A imagem emblemática do drama nacional emerge no desamparo do sonhador iludido, na derrota de Policarpo Quaresma. O espetáculo fixa aí o Brasil do ranço burocrático e da odiosa divisão da sociedade em "estamentos", como apontaria Raymundo Faoro em Os Donos do Poder. Numa espécie de fulguração, os caminhos de Lima Barreto e de Antunes Filho se cruzam no patético com poesia; e tudo está dito.
Crítica: Mariangela Alves de Lima
Há mais de três décadas um herói sem caráter protagonizou o primeiro trabalho do grupo experimental dirigido por Antunes Filho. Figura emblemática do modernismo, Macunaíma foi, também para o teatro, a encarnação do hibridismo, da apropriação indiscriminada de diferentes práticas culturais e artísticas e, sobretudo, da rebelião contra as distinções hierárquicas entre o popular e o erudito e entre a tecnologia e o artesanato na produção das manifestações artísticas.
Nas décadas seguintes o Centro de Pesquisa Teatral, incorporado ao Sesc, reafirmou, com ênfases diferentes, um ou outro corolário do projeto modernista. Quem examinar de perto as idéias e formalizações do CPT reconhecerá contornos nítidos ou esmaecidos das idéias e formalizações de Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Noêmia Mourão, Oswald de Andrade e Raul Bopp. Não só isso, porque, tendo como desígnio e prática ligar estreitamente o palco ao estudo teórico, o CPT mobilizou para a produção do seu repertório a historiografia, os estudos antropológicos e a vertente crítica sintonizada com as teses modernistas.
Agora, outro herói, este de muito caráter, sinaliza a ruptura temporária no desfile de obras que, ainda que de modo irônico, celebram as especificidades das civilizações americanas. Em Policarpo Quaresma, a nostalgia da origem e o orgulho da singularidade nacional confundem-se com a aspiração de pureza, quase de santidade - e é deste modo que Lima Barreto define sua personagem: "Desinteressado do dinheiro, de glória e posição, vivendo numa reserva de sonho, adquirira a candura e a pureza d"alma que vão habitar esses homens de uma ideia fixa, os grandes estudiosos, os sábios e os inventores, gente que fica mais terna, mais ingênua e mais inocente que as donzelas dos poemas de outras épocas."
Fracasso. Ensopado de nativismo romântico, retemperado pelo cientificismo do final do século 19 que corrigiu os exageros dos primeiros anos da Independência, o pobre Major Quaresma é o antagonista natural da voga multiculturalista. Só sabe valorizar seu país natal. E o final trágico a que o destina seu criador é, entre outras coisas, o reconhecimento do fracasso do idealismo.
Na perspectiva do diretor Antunes Filho, responsável pela adaptação de Triste Fim de Policarpo Quaresma e pela direção do espetáculo, a pátina resignada e amorosa que reveste o protagonista do romance é descartada de fora para dentro, ou seja, tudo o que o ingênuo Quaresma do espetáculo toca e vê é, do ponto de vista do espectador, de escasso valor estético. É singelo o gosto artístico suburbano e igualmente pobres são as festas que animam a vida de Policarpo e seus vizinhos. O que interessa no espetáculo é imaginação visionária desse Quixote da classe média. Embora ferozmente crítico das instituições, há no romance ambiguidades que fazem supor beleza nas canções ou verdadeira erudição no repertório cultural amealhado pelo infatigável empenho do major em conhecer sua terra. Arquitetado sob a hegemonia da escola realista, o romance faz justiça aos encantos do sarau suburbano, interessa-se pela descrição dos costumes e da paisagem, atribui valor positivo a aspectos da natureza tropical. Enfim, "vistos assim, do alto, os subúrbios têm a sua graça".
Grão de loucura. No espetáculo, o sobrevoo não tem muita importância. Na adaptação de Antunes Filho, as cenas eliminam referentes de situação, como descrição de interiores, relações humanas e paisagens urbanas. Em parte o desbaste elimina ganchos cuja função seria a de prender o leitor ao livro cuja primeira publicação foi seriada. Dramática e mais abstrata, a encenação simboliza movimentos coletivos por cortejos que atravessam o palco no sentido longitudinal, algumas vezes de modo lânguido como os cortejos funéreos, outras vezes retilíneos como as paradas militares. De qualquer modo, as circunstâncias representadas pelos cortejos são semelhantes no seu deslizar fluido, sem propósito evidente, prestes a se dissolver quando se aproximam do ponto de invisibilidade. Nada sugere a continuidade dos grupos, antes ou depois de entrar em cena. O universo sufocante das repartições públicas, a politicagem tacanha da província e a corrupção e violência da Primeira República são formalizados como fatores semelhantes em uma soma cujo resultado é a solidão desse herói "tocado por um grão de loucura".
No cerne do espetáculo, como um sentido unívoco, está a paixão malograda que, neste caso, são duas paixões malogradas. Há um paralelismo de tratamento que torna equivalentes, como apelo emocional e sedução estética, os sofrimentos de Policarpo e Ismênia. Como impulso para o ato ou como razão para viver, o mito da nação e o mito do matrimônio se equivalem. Tanto faz. Despojada, quase caricata ao apresentar de modo sumário o cancioneiro, as lendas e as fontes das pesquisas de Policarpo, a encenação engrandece o desejo e deixa de lado a proporção menor da coisa desejada. Prometeu e Policarpo têm a mesma estatura, pertencem ambos ao território sem fronteiras da tragédia.
Crítico Convidado: César Augusto
Antunes Filho demonstra a mesma capacidade de sempre de enlevar o espírito da plateia no espetáculo Policarpo Quaresma - adaptação para o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto - com o Centro de Pesquisa Teatral do Sesc.
Adaptar um romance para o teatro não é tarefa simples, porque implica na maioria das vezes em fazer escolhas. Nesse sentido, um leitor do romance, talvez, sinta falta de uma ou outra cena que ampare o sofrimento de Ismênia (Natalie Pascoal) ou a conduta de Olga (Tatiana Lenna). Essas lacunas, porém, não fazem falta, porque a linha de força dramática escolhida aproveita essas circunstâncias "secundárias" como espelho distorcido do sofrimento ou como paroxismo das "loucuras e devaneios" do Major Policarpo Quaresma (Lee Thalor). Com isso, Antunes põe uma lupa no caráter do Major e enxerga aspectos que lembram personagens de Ibsen (como Solness cujo desejo é o de edificar uma torre utópica, símbolo da sociedade) e de Herzog (como Aguirre, que, sucumbindo sobre uma jangada destruída, ainda tem sonhos de glória), além dos já investigados Macunaíma e Quaderna. Este procedimento dramatúrgico ajuda a transpor da estrutura literária o que há de teatralidade.
Assim é que Antunes joga com o tempo e o espaço na cena, criando um sistema que imbrica as antíteses: claro e escuro, entropia (desordem) e neguentropia (equilíbrio), adágio e vivace, solenidade e derrisão, sublime e grotesco, cômico e trágico, ideal e real. Isso provoca uma sensação de suspensão à dinâmica da peça. Dentre eles, destacam-se a cena inicial, mais do que um prenúncio, ela estampa, com ironia, o suplício, o escárnio e a tragédia a que Policarpo será submetido, os loucos do hospício para o qual ele foi enviado, a dança que mata as formigas - culminando com o sapateado do Major sob o Hino Nacional, os desfiles-cortejos das mortes de Ismênia e dos soldados, inspirados em Tadeusz Kantor, e o irônico tango de Marcos de Andrade e Fernando Aveiro.
Por tudo isso, embora Antunes admita gostar de personagens picarescos e Policarpo tenha este lado também, como Macunaíma e Quaderna - parece que o riso e o escárnio, em vez de linhas condutoras, são válvulas de escape que dão respiro ao subterrâneo trágico do Major. Vale dizer que uma coisa não exclui a outra, e sim se complementam, aumentando as contradições.
Depois de tudo isto, é um triste fim ou feliz?
Feliz, pois o talento de Antunes e dos atores faz as pessoas contemplarem e se alienarem positivamente, no sentido empregado por Adorno, ao fenômeno estético.
E, ao mesmo tempo, triste porque o substrato político de Lima Barreto - que diz ter visto "com desgosto a implantação da República", através de patrulhas armadas, e "a falta de consciência civil" - parece mostrar que teorias como o positivismo ("filho tardio do Iluminismo com seu projeto de racionalidade", segundo Eric Hobsbawm) em parte não funcionaram e não funcionam, no Brasil, onde, de acordo com o diretor, as tragédias são muitas vezes "baseadas em atos risíveis". Mas, se por outro lado o relativismo também não tem ajudado muito, o que fazer? É nessa encruzilhada que Antunes através da peça parece colocar a todos, inclusive a si próprio.
A peça é um soco no estômago: escancara nossa predisposição em lutar pelo direito à preguiça. O público veste, com Policarpo, a mortalha da cena final, fica também derreado, e, ainda assim, entende que, apesar da utopia natimorta, é preciso ser "dado ao maravilhoso", como diz Lima Barreto, "ao mistério", é preciso dançar, ainda que seja num canto escuro e só. Bom para o teatro, bom para o cidadão.
César Augusto é ator, diretor e professor de teatro. Atuou no Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) do Sesc por seis anos.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Reflexão inquieta sobre o ufanismo
Até o seu triste fim, Policarpo Quaresma experimentou, com patriotismo ingênuo, a amarga farsa do exercício da nacionalidade. Vítima de ilusão patriótica, adquire a consciência, herói ridículo da própria invenção de sociedade sustentada por suas raízes fundadoras, de sucessivas derrotas diante de um mundo que o transforma em bufão de suas idéias. O hospício, ao qual é levado por sua defesa da língua tupi-guarani, abriga a primeira decepção, seguindo-se a frustrada tentativa de reformar a agricultura, irremediavelmente vencido pela ação da baixa política e pela voracidade das formigas. Não menos decepcionante é sua adesão à defesa da nação, em revolta secessionista, quando fica frente a frente ao poder da corrupção e da comédia da artilharia. Deste percurso, Policarpo conclui que “fizera a tolice de estudar inutilidades”, e que a pátria é pouco mais do que uma quimera. O romance de Lima Barreto, lançado em 1911, trata de um anti-herói, patético em seus propósitos, risível nas suas inalcançáveis pretensões, que desfia fracassos como alguém que foi devorado por um Brasil real, pelo persistente país de fancaria.
A adaptação de Antunes Filho, em cartaz no Teatro Sesc Anchieta, na capital paulista, empreende retorno, “o eterno retorno” do diretor às suas obsessões estéticas e aos escaninhos da nacionalidade. É inevitável referenciar a atual montagem à de Macunaíma, que Antunes dirigiu há 32 anos. Se antes, o herói era desprovido de caráter, agora é íntegro, ambos identificados pelas semelhanças do país que os moldou. Se a cena de então determinava poética de brasilidade difusa, hoje se repete com o acréscimo de conotações mais palpáveis.
A transcrição do romance, essencialmente descritivo e com poucos diálogos, não intimidou o adaptador, que anteviu as possibilidades de enquadramento na sua rica moldura cênica. Há um tom farsesco, quase picaresco, que se destaca entre tantas outras memórias narrativas, criando humor em contraluz com lirismo. A movimentação dos atores, em conjunto e horizontalidade formal, é marca definitiva do diretor cultivada ao longo de várias montagens. A ausência de cenários, substituídos por adereços, figurinos, máscaras, maquiagem e máquinas de cena, individualiza o grupo, que em bloco ocupa o espaço com furor de personagem-massa.
Num desses “quadros vivos”, Antunes Filho reproduz com impacto visual e desenho crítico as obras pictóricas do positivismo, com sua exaltação à nacionalidade de estampa e de símbolos, e pelotões de vestais patrióticas e lábaros verde e amarelo. A imagética do diretor atinge o arrebatamento, quando ao som do Hino nacional, Policarpo sapateia como um alegórico dançarino de nossos males. A música, de modinhas, canções militares e valsa, é preponderante no estabelecimento desta atmosfera de brasilidade desiludida, de sonoridade arranhada pela rouquidão da desesperança, como revela o discurso final de Policarpo.
Nesta transcrição de Triste fim de Policarpo Quaresma por Antunes Filho, a sedimentação da gramática teatral do encenador respira por alguns novos poros, abertos pela inquietação de refletir sobre a nostalgia de um país, arduamente vivido, eternamente irrealizado. O bem orientado elenco realiza com a determinação do que lhe foi proposto a delirante e cética investigação sobre o que somos ou o que irredutivelmente fomos. A projeção, indiscutível, é do ator Lee Thalor, intérprete inteligente de Policarpo, macunaímica presença como artífice do desencanto.
Do blog do Luiz Carlos Merten
quarta-feira, 31 de março de 2010
Estado de S. Paulo: Antunes encena o 'Policarpo Quaresma' de Lima Barreto
Foto: Emídio Luisi
Para Antunes, Policarpo é um personagem fundamental da literatura brasileira. Mas a obra de Barreto é essencialmente descritiva e são os diálogos a matéria-prima do teatro. Como isso foi resolvido? "Com um trabalho insano", diz Antunes. O mergulho na nostalgia de um Rio dos anos 60 e 70 parece ter feito bem a Antunes, que se mostra ávido por novas criações. Ele diz que está cansado do debate sobre o papel do teatro contemporâneo. "Temos que discutir essas coisas todas, mas, mais do que nunca, o que me interessa é o humano."
A adaptação de ‘O Triste Fim de Policarpo Quaresma’, que estreia nesta sexta, 26, é oportuna. O crítico literário Ivan Teixeira classifica a obra como "uma espécie de oração principal em uma grande frase de protesto contra a sociedade de seu tempo". Tal como faz Antunes Filho. O diretor busca um teatro afinado com o presente. Ainda que considere que seu tempo (o dele e o seu) seja mal-interpretado por muitos contemporâneos.
Policarpo Quaresma - ONDE: Sesc Consolação. Teatro (320 lug.). R. Dr. Vila Nova, 245, 3234-3000. QUANDO: 6ª e sáb., 21h; dom., 19h. QUANTO: R$ 20.
sexta-feira, 26 de março de 2010
"Policarpo Quaresma" na Folha de S. Paulo
MARIA EUGÊNIA DE MENEZES da Folha de S. Paulo
Filipe Redondo/Folha Imagem
Desde que encerrou seu ciclo de tragédias gregas, em 2005, Antunes dedica-se com afinco a pôr o país em relevo. Passou pela literatura barroca de Ariano Suassuna, voltou às tragédias de Nelson Rodrigues e agora desemboca no herói ingênuo de Lima Barreto (1881-1922).
"É um personagem que tem a estatura de Macunaíma e Riobaldo", diz ele, referindo-se ao protagonista do clássico "Triste Fim de Policarpo Quaresma".
Saudado pela crítica literária como uma espécie de Dom Quixote nacional, Quaresma é um homem pacato tomado por arroubos nacionalistas. Resolve aprender tupi, pregar mudanças para engrandecer o Brasil, mas termina desencantado.
Apenas para adaptar o livro a uma estrutura teatral, Antunes gastou seis meses. "Foi uma trabalheira danada. Transformei todas as descrições em diálogos e também criei alguns personagens para dar sustentação aos protagonistas", conta.
De resto, a tarefa de encenar a trama --que se passa em três momentos diferentes e será contada em ato único-- consumiu quase dois anos de preparação e ensaios.
Um percurso que foi interrompido, em 2009, por outras duas montagens: "A Falecida Vapt-Vupt" e "Lamartine Babo". Ambientadas no Rio de Janeiro, ambas compõem, ao lado de "Policarpo Quaresma", aquilo que Antunes denominou de trilogia carioca. O próximo trabalho, ele avisa, deve seguir por trilha semelhante e se embrenhar pelo célebre conto de Machado de Assis "O Alienista".
Em cada linha do romance de Lima Barreto, salta como pano de fundo um corrosivo retrato da sociedade carioca do século 20, em que a corrupção contamina a política e espraia-se por todas as relações sociais.
Para transportar isso ao palco, o espetáculo do grupo Macunaíma e do CPT abriu mão do cenário, dispensou os recursos de ambientação em uma determinada época e tratou de estabelecer um diálogo com o Brasil de hoje, conta Lee Thalor, que interpreta o personagem-título da montagem. "A crítica que o Lima Barreto fazia ainda está latente hoje", diz.
Antunes acrescenta outra preocupação: fazer um teatro popular. E, para isso, tratou de deixar de lado pretensas sofisticações e foi beber na fonte da "commedia dell'arte", do teatro de revista e dos irmãos Marx. "Queria fazer um espetáculo aberto, solto e dar de volta tudo aquilo que eu recebi do teatro. Tenho que me ajoelhar para agradecer a meus mestres, Ziembinski, Cacilda Becker. Será que eu vou conseguir?" Antunes promete que vai seguir tentando.
Lima Barreto: Cenografias
Esta minha tendência vem lá de trás, de criança, do tempo que, felizmente, ainda não existia a televisão. Duas atrações seduziam-me além dos jogos e das brincadeiras: o cinema, nas matinês de quinta feira, as sessões zig-zag aos domingos de manhã e alguns programas de rádio dos quais eu era ouvinte assíduo. Foi a radiofonia, tenho certeza que me atiçou o imaginário. Otavio Gabus Mendes inovador da rádio no Brasil e também cineasta muito me influenciou e me educou na época com seus programas na Record.
Acompanhava tanto suas excelentes críticas cinematográficas que transmitia diariamente na hora do almoço quando chegava da escola, como as radiofonizações dominicais de grandes filmes (ele era fissurado em Orson Welles, Jonh Ford, William Hellman, Frank Capra etc...etc...). A minha cabeça ia para o espaço com as falas e as personagens que os atores interpretavam; lá ia eu esboçando nebulosamente ambientes, cenários dos mais incríveis. Deitava nas sensações dos meus devaneios, dos meus sonhos.
Depois, o teatro moderno, e em especial Kazuo Ohno e algum Bob Wilson, fizeram-me aterrisar através de suas encenações mais fundo no meu inconsciente.
Kazuo Ohno, por exemplo, no primeiro plano, diluía-se na sua dança, criando-me visões fantásticas, projetadas através dele no fundo neutro. Ele desaparecia e eu permanecia na poltrona abismado, estarrecido e maravilhado. Transcendia. Tomava consciência que não era somente a fala, mas também o jogo de corpo, ambos, responsáveis pelos movimentos básicos do sobrevôo. Cenários, painéis, penduricalhos de qualquer ordem interfeririam na ânimo folha branca do expectador.
A exposição “Lima Barreto: Cenografias” é uma tentativa de mostrar o registro destas incursões que fazemos através da nossa neblina interior. Provocar a subjetividade: cada leitor ou expectador cenografar a obra para si mesmo.
Novos artistas cenógrafos foram chamados para cada um a sua maneira, colocar o seu depoimento imagistíco de uma obra que escolhesse do autor. É um duplo empreendimento do curso do CPT que julgo de maior relevância: a amostragem de novos cenógrafos para o mercado com seus sonhos poéticos como também a mais justa homenagem a este grande escritor social Lima Barreto (que quase sempre é injustamente colocado à margem) Então, duas exposições em uma só?
Quero acrescentar que os estimulei a tentarem nas suas idealizações aproximarem a cenografia o mais que possível das outras irmãs das artes plásticas: a pintura e a escultura. Descompartimentar o trabalho possível de vícios da própria linguagem cenográfica. Novos ares. Venha ver uma e veja duas exposições.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Epígrafe à direção de POLICARPO QUARESMA
Antunes Filho
terça-feira, 23 de março de 2010
Os cenários de Lima Barreto
As múltiplas visões sobre a obra e vida do escritor é um resultado orgânico quando se pensa os variados e desnivelados ambientes da cidade do Rio de Janeiro que ele percorreu observando o máximo de realidade social. A cidade cotidiana é palco de contradições e guerra. Sua obra abrange: “Interiores domésticos burgueses e populares, estabelecimentos de grande e pequeno comércio, cassinos e bancas de jogo do bicho, festas e cerimônias burguesas, cosmopolitas, cívicas e populares, bares, malocas, bordéis, alcovas, pensões baratas, hotéis, frèges, cortiços, favelas, prisões, hospícios, redações, livrarias, confeitarias, interior de navios, trens, automóveis e bondes, zonas rurais, ruas, praias, jardins, teatros, cinemas, estações ferroviárias, pontos de bonde, cais, portos, escolas, academias, clubes, ligas cívicas, casernas, cabarets, cemitérios, circos, teatro de marionete, tribunais e oficinas” (Sevcenko).
Lima sabia embutir a crítica, seu ponto de vista, sem fantasiar seus cenários para agradar o público afeito a amenidades e disfarces. Dos lugares que marcou sua percepção para sempre, as descrições são veementes e outros lugares imaginários são todos derivações do universo cosmopolita que o Rio de Janeiro proporcionava, do concreto que se impunha aviltando as florestas ainda imponentes, compondo um cenário moderno e selvagem envolto de fauna humana rica e contrastante.
quinta-feira, 11 de março de 2010
Algumas impressões de LAMARTINE BABO
“É uma tela de Volpi”. (Eduardo Tolentino)
"Singelo e poético.Uma pérola." (Zé Henrique de Paula)
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Hoje é dia de LAMARTINE
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Duas últimas semanas de A FALECIDA VAPT-VUPT
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Peça revive outros carnavais
Esse parece ser o foco de Lamartine Babo, reviver o clima festivo de outros carnavais sem, no entanto, recorrer ao recurso de ambientar o espetáculo em determinada época. Lamartine Babo se situa na atemporalidade, ou seja, os belíssimos figurinos criados por Rosângela Ribeiro podem até sugerir tempos mais remotos, mas, de fato, a banda que ensaia naquela casa abandonada um repertório exclusivo de composições de Lamartine Babo, é atual e, até mesmo, repercute o que a geração do autor deve sentir ao ouvir as tolices do funk e axé music, salvo raras exceções, que servem ao gosto da massa. Não porque a massa se tornou burra e, sim, porque a mídia a faz desconhecedora do legado qualitativo de nossa música popular.
Músicas como Grau Dez, O Teu Cabelo Não Nega, Chegou a Hora da Fogueira, Joujoux e Balangandãs, No Rancho Fundo, Hino do Carnaval Brasileiro, só para citar algumas das inesquecíveis perolas de Lamartine estão arranjadas com preciosismo por Fernanda Maia, quem assina a direção musical com simplicidade e colorido de encontro de vozes que soam no timbre do prazer.
Marcos de Andrade, na pele do misterioso Silveirinha que tudo sabe e tudo conhece da obra de Lamartine Babo adentrando o local de ensaio daquela atípica banda, merece destaque especial pelo desempenho em que, ao mesmo tempo, sentimos entrega de alma e controle de seu instrumental de intérprete.
Um de nossos nomes de maior relevância na senda da encenação, bem como na preparação de atores, Antunes Filho brinca de dramaturgo em Lamartine Babo e traça mais um roteiro singelo em que as músicas são inseridas.
Naturalista, simples e capaz de colocar o espectador no clima de ensaio que parece perseguir. Talvez a revelação final de quem, realmente, é Silveirinha, seja golpe que retira a força da personagem, interessantíssima enquanto mantida sob a névoa do mistério.
O fecho de limpeza e beleza plástica alcançada pelas imagens formadas no espetáculo estão a cargo de Emerson Danesi, cuja linha enxuta e objetiva parecem inspiradas pela condução de Antunes.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Uma prévia de POLICARPO QUARESMA
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
LAMARTINE no Aplauso Brasil
Antunes virou dramaturgo
Como não poderia deixar de ser, trata-se de um excelente musical com a maior parte do elenco se apresentando em coro e cantando lindamente sob direção de Fernanda Maia. E não é á toa, pois foi ela, juntamente com Zé Henrique da Paula, quem primeiro transformou Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, em teatro musicado.
É imperdível. Mesmo sem a direção de Antunes que confiou a tarefa a Emerson Danesi que deu bem conta do recado. Coisas do CPT (Centro de Pesquisa Teatral do Sesc Consolação) que tem formado bons profissionais.
Vale destacar que todos esses acertos se devem sem dúvidas à impecável interpretação do elenco que traz nos papéis centrais Sad Medeiros, Adriano Bolsch e especialmente Marcos de Andrade que faz um Silverinha (ou seria um Lamartine?) com perfeição.
Aliás, Marcos de Andrade também está arrasando em A Falecida Vapt-Vupt onde aparece com outros ótimos parceiros Geraldo Mário e Lee Thalor. Eles dão vida aos papéis centrais da peça de Nelson Rodrigues que, dirigida por Antunes, se passa num bar, com texto bem curto como indica o nome da montagem.
São duas re-estreias imperdíveis: A Falecida nos finais de semana e Lamartine – que indico com mais entusiasmo – às quintas-feiras.
LAMARTINE, de Antunes Filho, direção de Emerson Danesi. Sesc Consolação. Espaço CPT (70 lug.). R. Dr. Vila Nova, 245, V. Buarque, 11 3234-3000. 60 min. 12 anos. Todas às quintas, 21h. Quanto: R$ 10. Até fevereiro.
A FALECIDA VAPT-VUPT, de Nelson Rodrigues, direção Antunes Filho. (60 min). Espaço CPT (sétimo andar) 70 lugares. Sextas às 21h e sábados às 19h e às 21h. 12 anos. Rua Dr. Vila Nova, 245. Tel: 11 3234-3000.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Do blog do Alberto Guzik
Texto publicado no blog "os dias e as horas" no dia 16/01/2010
Fui ontem finalmente ver "A Falecida Vapt Vupt", que Nelson Rodrigues escreveu e Antunes Filho dirigiu. Que eu saiba, esse é o terceiro encontro de Antunes com o texto de Nelson. O primeiro foi há 45 anos, em 1965, numa montagem para a Escola de Arte Dramática que gerou muita polêmica, e da qual eu participei. A segunda foi os anos 80, como parte de "Paraíso Zona Norte". E a terceira é esta, que estreou ano passado e está novamente em cartaz no teatrinho do CPT, no sétimo andar do Sesc Consolação. E o que posso dizer é que Antunes fez uma "Falecida" magnífica, ambientada em um boteco brasileiro. A montagem me fez pensar muito. Estou impressionado com a qualidade do elenco, com as ousadias do diretor no sentido de simplificar a narrativa, de torná-la menos hierática, sem perder nunca a carga trágica e grotesca. Vou escrever mais a respeito desta "Falecida". Porque preciso registrar como sinto as três "Falecidas" antunianas que tive o privilégio de fazer ou de ver. De qualquer forma, aqui já fica a recomendação: não percam essa "Falecida Vapt Vupt". É um trabalho de intensidade, coesão e talento excepcionais.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Trilogia Carioca de Antunes Filho
O Rio de Janeiro desde 1808, capital do Império, com a chegada da família real protagoniza transformações de costumes na sociedade brasileira de forma relevante. Com a proclamação da República teve seu período de capital federal 1889-1959. O poder político e moral da nação se concentrou naquele espaço urbano nascente e de terreno irregular, centro que marcou profundamente as futuras experiências do nosso regime político ainda vigente. A trilogia carioca de Antunes Filho faz o recorte de momentos decisivos e plurais dessa cidade. As obras encenadas percorrem um sentido inverso na linha do tempo, tratam do cotidiano: a tragédia carioca e suburbana da Falecida (1953), de Nelson Rodrigues. A música popular com o drama-musical sobre Lamartine Babo (1904-1963), texto inédito de Antunes Filho. E o cenário político fica a cargo de Policarpo Quaresma (1911), de Lima Barreto adaptado pelo diretor.
Em Nelson Rodrigues os costumes impudicos e privados veem à tona, através de um casal suburbano. A montagem ágil e dinâmica faz perturbar a percepção, incomoda o olhar ao mesmo tempo que o bom humor prevalece nas concepções e interpretações. Antunes descobriu novamente como não montar Nelson “como se deveria”, mas só como um artista propositor e desafiante.
Lamartine Babo é um divertido musical que trata sobre um dos mais importantes compositores carioca que atuou na chamada Época de Ouro da MPB (anos 30). Na forma de um ensaio musical, faz-se um passeio pela sua obra. Um estranho observador pontua a biografia de Lamartine sem desvendar o mistério de seu domínio sobre o assunto.
Com Lima Barreto, Antunes fecha a trilogia e também abre pela sua importância histórica. O desafio seguido pela adaptação e encenação resulta num grandioso e criterioso trabalho compactuado com toda equipe. Mas nesse sentido do grande épico, cabe genialmente o simples, opções poéticas e maturidade para teatralizar o exame crítico do romancista.
É oferecido ao público, entre uma obra e outra, muitas correlações para se extrair, como a reflexão de que no Rio Antigo foi o nascedouro de várias tendências para nosso modo de vida político, cultural, artístico, com todo a beleza, repúdio, alegria, ódio, riqueza, indiferença, multiplicidade, injustiça. Um sistema complexo de que dá mostras as encenações. Chega a nós de hoje perguntas atualizadas sobre o passado recente do país.